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Cota para a população em situação de rua não é um privilégio

"Todas as pesquisas desmentem os pré-conceitos contra o segmento", diz Reimont Otoni
Foto de pessoas em situação de rua

A população em situação de rua não é invisível. É, na verdade, uma gente que é vista, sim – com compaixão, respeito e solidariedade, por uns, mas, com lamentável frequência, vista com os olhos do preconceito. Ao ocupar os espaços públicos, essas pessoas são muitas vezes consideradas “estorvos”, que atrapalham o trânsito e a tranquilidade dos que se acham os donos das calçadas e das cidades, donos do país. 

Para uma parte infelizmente significativa da sociedade, a solução cabível seria o apagamento desses homens, mulheres e crianças desvalidos, os mais vulneráveis entre os milhões de empobrecidos vulneráveis. São chamados de vagabundos, drogados, inúteis, sub-humanos, até de inumanos, sem direitos. Se sobrevivem, é por teimosia.

Militar a favor dos sem teto não é fácil; é sempre correr o risco de rejeição, de ataques, de xingamentos. Tenho sentido isso ao longo da minha militância política. Senti mais uma vez agora, ao anunciar o projeto de lei que acabo de apresentar na Câmara Federal, de criação de cota de 10% de vagas para as pessoas em situação de rua, inscritas no CadÚnico, para participação em concursos, processos seletivos e contratações de pessoal na administração pública federal.

Este é um projeto a ser incorporado às muitas iniciativas do governo Lula e do ministro Sílvio de Almeida para a inclusão digna e adequada dessa população. Mas tem gente achando que é privilégio, esquecendo, claro, de que ainda sobrará uma “cota” tácita de 90% para os que não estão em situação de rua.

Sem qualquer fundamento, a rejeição mistura ideias de meritocracia e capacitismo, coloca em dúvida as aptidões dessas pessoas e destila acusações levianas sobre ligações com a criminalidade.

Todas as pesquisas desmentem esses pré-conceitos. 

A grande maioria dos sem teto exerce alguma atividade no mercado informal, embora não alcance renda suficiente para garantir a moradia. Parte significativa tem um nível de escolaridade entre o ensino fundamental (48,7%) e o médio/superior (30%); apenas uma pequena minoria (5,3%) é analfabeta. 

Mas, se tentam buscar emprego, saem invariavelmente perdendo. Sem endereço residencial e sem apoio, não têm como apresentar um currículo interessante; nas eventuais entrevistas de trabalho, dificilmente preenchem os requisitos de “boa aparência”.

“Nós, que vivemos nas ruas, somos o tempo todo cobrados pelos nossos deveres, mas não sabemos o que é ter direitos” – sintetiza o morador em situação de rua Rafael Rezende. 

A grande maioria das 280 mil pessoas que moram nos espaços públicos do Brasil está plenamente apta a prestar concursos, trabalhar e deixar as ruas. Do que precisam? Direitos, equidade nas oportunidades, políticas públicas.

É imprescindível oferecer a elas meios para que possam efetivamente deixar a condição em que se encontram. É preciso garantir a chamada porta de saída. A questão central foi, é e continuará sendo, sempre, a da inclusão social.

Cerca de 70% dos moradores em situação de rua são negros e 87% têm entre 18 e 59 anos. Segundo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os jovens com até 30 anos somam 15% do total dessa população, enquanto os adultos entre 50 e 64 anos correspondem a 22%. Crianças e adolescentes são 2,5%, e idosos, 3,4%.

A estimativa dos pesquisadores e especialistas é de que esse número tende a crescer, alimentado, principalmente, pelo preconceito e pela exclusão imposta por um sistema estruturalmente racista, pela precarização do trabalho e pela dificuldade de acesso à moradia adequada. O problema só será revertido a partir de políticas efetivas de moradia e geração de emprego voltadas para este segmento da população brasileira, resgatando a dignidade, o respeito e os direitos-cidadãos das pessoas que hoje vivem em situação de rua.

É uma responsabilidade da sociedade e o Congresso Nacional precisa fazer a sua parte.

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